Para essa virada sustentável, é estritamente necessário investimentos em uma produção baseada em baixo carbono
O Dia Mundial do Meio Ambiente é comemorado no dia 5 de junho. Foi criado por ocasião da Conferência de Estocolmo, organizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1972. O Portal Agrolink conversou com Rubens Benini, líder da estratégia de restauração florestal na The Nature Conservancy (TNC) América Latina.
-Quais são os projetos da TNC na Amazônia?
A The Nature Conservancy (TNC) atua fortemente junto as cadeias produtivas agrícolas, principalmente soja e pecuária, visando melhorar cada vez mais as práticas socioambientais de produção e reduzir a pressão para o desmatamento de novas áreas. Temos como meta também apoiar os governos na agilização da regularização ambiental de propriedades rurais, ou seja, queremos ajudar o produtor a cumprir o Código Florestal, recuperar áreas naturais degradadas dentro de suas fazendas e reduzir o risco de multas ambientais. Também temos trabalho com povos indígenas, incentivando a autonomia desses povos na gestão do seu território, uma vez que entendemos que a inclusão de povos indígenas e populações tradicionais é essencial para a preservação da floresta.
Especificamente na estratégia que atuo, de restauração florestal, na Amazônia, nós temos um projeto chamado Cacau Floresta. Desde 2013, a iniciativa em São Felix do Xingu, Ourilândia e Tucumã (sudeste do Pará) restaura áreas degradadas da floresta, por meio de sistemas agroflorestais (SAFs), onde o carro chefe é o cacau. Esse projeto é implantado em apenas áreas já desmatadas, mas que agora tem a oportunidade de voltar a ser floresta. Como o plantio é feito SAFs, também são plantadas outras culturas, como banana, mandioca, açaí, entre outras, que além de também ajudar na restauração da área, auxilia também na geração alternativa de renda e na diversificação alimentar das famílias que participam do projeto. Os pequenos produtores envolvidos mostraram uma enorme evolução em conhecimentos de produção sustentável e na melhoria de vida. O cacau trouxe não só a recuperação de áreas degradadas mas a geração de renda. Muitas famílias triplicaram seus ganhos. São 250 famílias na Amazônia que já restauraram mais de 500 hectares de floresta (equivalente a mais de 500 campos de futebol).
-Qual é a atual condição da Amazônia neste momento?
De janeiro a dezembro de 2019, o Brasil perdeu cerca de 1.218.708hectares (12.187) de vegetação nativa, segundo relatório do MapBiomas. No Brasil, 60% da perda ocorreu na Amazônia, de acordo com a plataforma, que utiliza dados do monitoramento por satélite, em parceria com o Google. Os números são alarmantes.
Segundo, o INPA – Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), já foram desmatados cerca de 70 milhões de hectares (700.000 km2). Isso equivale à área de 23 Bélgicas, ou 17 Holandas. Estima-se que já tenhamos perdido mais de 15% da cobertura florestal original e cientistas apontam que se passarmos de 20% de desmatamento, podermos atingir um ponto de ruptura (tipping point em inglês) do limite , que colocaria em risco de todo bioma perder sua característica florestal.
A Amazônia tem um papel fundamental na regulação do regime de chuvas e do clima global. Assim como outras grandes florestas tropicais, funciona como estoque de carbono. A evapotranspiração, feita pelas copas das árvores para liberar boa parte da água captada pelas raízes, lançam na atmosfera enorme volume de água por dia. O resultado é a geração de chuvas para o Centro-Oeste, Sudeste e Sul brasileiros, em um fenômeno chamado “rios voadores”, que influenciam também as correntes dos oceanos. A Amazônia também é o ecossistema com maior diversidade de espécies em um mesmo território do mundo. O desmatamento na floresta e a diminuição de habitats para animais silvestres afetam todo o ciclo e comprometem a saúde do planeta.
As consequências desta perda de biodiversidade aumentam os riscos de novas pandemias, o risco de quebra de safras de alimentos devido a surtos de pragas e doenças das plantas, a redução da capacidade de adaptação às mudanças climáticas, a perda de serviços ecossistêmicos, a redução na disponibilidade de recursos hídricos associado à perda de florestas e a redução de oportunidades de desenvolvimento da bioeconomia. Perder a Amazônia não é interessante para ninguém.
- Como fica a restauração florestal em tempos de Covid-19?
O Brasil, assim como outros países, passa por uma crise profunda em função do avanço do novo coronavírus, que trouxe impactos severos em setores como saúde, economia e meio ambiente, este que tem enfrentado uma grave crise mesmo antes da chegada da doença ao país. Mas o processo de restauração e conservação florestal não pode parar e uma das técnicas que pode e deve ser empregada, nesse momento, é utilizar a força da natureza a nosso favor, ou seja, abandonar áreas com baixa aptidão agrícola e deixar que parte da floresta possa voltar. Claro, que o desmatamento ilegal deve também ser eliminado. Preservar a vegetação nativa contribui para a bioeconomia, para a mitigação das mudanças climáticas – em particular para a redução da intensidade e frequência de eventos extremos –, assim como para uma gama de outros serviços ambientais, como polinização, suprimento de água de qualidade, redução da erosão e perda de solo, etc., fundamentais não apenas para o povo e a economia brasileira, como também para todo o planeta.
- Qual é o verdadeiro impacto nas mudanças climáticas e como a degradação ambiental pode alavancar o surgimento de novas pandemias ou crises econômicas?
A pandemia gerada pelo Covid-19, que já havia sido prevista por alguns cientistas na década passada, nos mostra, cada vez mais, que se não protegermos a saúde do planeta e se não soubermos aproveitar, de maneira racional e sustentável, seus benefícios, teremos ameaças futuras ainda piores. Cientistas fazem alertas da possibilidade de surgimento de novas doenças já há algum tempo. O próprio degelo das calotas polares nos traz riscos associados a isso. É momento de não apenas buscar a cura para doenças pontuais, mas resolver a causa. Do ponto de vista econômico, os bens naturais e serviços ecossistêmicos são, com frequência, vistos meramente como externalidades e, devido à sua difícil valoração, não entram como deveriam na contabilização do “fluxo de caixa” da produção mundial.
É preciso uma guinada rumo a uma economia sustentável. Mais do que nunca, integrar economia e meio ambiente. Para essa virada sustentável, é estritamente necessário investimentos em uma produção baseada em baixo carbono, associada às soluções baseadas na natureza, como a conservação de ecossistemas nativos, a recomposição florestal, a bioeconomia e as ações efetivas para diminuir o desmatamento. Só assim caminharemos direção de um modelo econômico sustentável.
Atuar na valoração, conservação e recuperação de florestas, além de gerar emprego e renda, pode contribuir para a manutenção de serviços ecossistêmicos até então não incorporados nos índices de crescimento econômico.
Fonte: Por: AGROLINK -Aline Merladete
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